Pela primeira vez a Justiça Eleitoral faz operação para e busca dados sobre doação para campanha. Este é um termo chave e que frequentou os julgamentos do mensalão e depois a Lava Jato. Uma expressão eufêmica para lavagem de dinheiro depois de roubo de recursos públicos. Os políticos pegos em corrupção falaram claramente nos tribunais o que já era citado internamente como justificativa moral para a relação bandida entre empresários que dominaram os cofres públicos através de políticos ladrões. Os donos das grandes empresas tinham mesmo o controle remoto de deputados, senadores, prefeitos, governadores e frequentavam os subterrâneos do Palácio. Diz um empresário que militou nesta máfia que a senha para o roubo era o tal financiamento de campanha. Revela que numa reunião era tudo o que queria ouvir. Quando se falava em doação para campanha, a janela se abria sem possibilidade de volta. Festa para os bandidos donos de empresas de fachada num liberalismo brasileiro onde o dinheiro público sustentava lucros e eliminava risco.
O termo doação para campanha é detestável. Nenhum empresário doa nada para partidos. São milhões nesta trama. Isto não é doação, mas investimento por parte dos empresários e roubo para os políticos. Nesta justificativa bandida está a lógica conhecida como ética da malandragem. Roubar para fazer política pode, já que “os fins justificam os meios”. Para comprar casas na praia, alimentar cartões de parentes e viagens deslumbrantes com seus vinhos caros, carrões, barcos e ostentação como bolsas de ouro, não pode. Mas compra. O dinheiro sempre foi para irrigar as doenças mentais que costumam frequentar os gabinetes do poder.
Imelda Remédios, famosa pela futilidade, primeira dama das Filipinas, a Borboleta de Ferro, é um ícone neste processo. O lado pitoresco é que ela tinha na sua casa uma coleção de mais de mil pares de sapato. Mulher do ditador Ferdinand Marcos, mandava e desmandava e chegou a ser eleita para o Congresso das Filipinas. O casal teve que sair às pressas e deixou para trás um país com mais de metade da população na miséria. Na casa, o luxo exagerado. Foram encontrados 1.060 pares de sapato, 888 bolsas de grife, 508 vestidos para festa, 71 óculos caros e de estilos variados e 15 casacos de pele devidamente conservados em perfeito isolamento, além de outros mimos que moram nas mentes de figuras que habitam este universo paralelo das dondocas profissionais. Junto com os imóveis nos Estados Unidos, Ferdinando acumulou mais de 900 processos na Justiça. Não há limites para este tipo de personalidade. O dinheiro roubado é gasto de maneira perdulária e esquisita para todos nós, mas não reduz a gravidade do crime. Por aqui, os milhões foram derramados, segundo justificativa oficial, em campanhas eleitorais. Antônio Palocci, ex-deputado, ex-ministro e atual encrencado na Justiça, diz com todas as letras na delação premiada que a ex-presidente Dilma Rousseff gastou mais de um bilhão de reais na campanha. Um bilhão para comprar apoio, não atem nenhuma outra explicação. É muito dinheiro.
Eu nunca entendi muito bem esta divisão ética que se faz no Mensalão e depois na Lava Jato. Nunca na prisão de um ladrão o delegado pergunta o que o larápio fez com o dinheiro para avaliar se ele será solto ou preso. Pode até perguntar, como base da investigação, mas jamais como critério para absolvição. Se o ladrão comprou sapatos, como a Imelda, ou gastou em campanha eleitoral, como políticos envolvidos nos dois escândalos, pouco importa. Pode até doado o dinheiro como dízimo das igrejas, será ladrão da mesma forma e o que pode piorar a situação é a lavagem de dinheiro, considerado um crime anexo. A entrada do dinheiro vivo ou disfarçado de consultoria, ou pagamento de banca de advogados, na verdade, agrava e é crime. A lavagem de dinheiro ou tecnicamente branqueamento de capital é a passagem comum dos que roubam e não sabem o que fazer com o dinheiro.
*José Maria Trindade é repórter e comentarista de política da Jovem Pan.