Solidão, medo e cura: lições de quem vivencia os seis meses da chegada do novo coronavírus ao Ceará


Pacientes e profissionais relatam suas experiências nos meses de pandemia no estado. Luís Alberto Rodrigues, 65 anos, foi pela primeira vez ao hospital com falta de ar em maio. Medicado, melhorou e voltou para casa
Foto: Fabiane de Paula
Seis meses se passaram desde que a Secretaria da Saúde (Sesa) anunciou os três primeiros casos do novo coronavírus no Ceará. Hoje, o estado chega ao 15 de setembro de 2020 contando as marcas deixadas pelo luto das 8.698 pessoas que morreram vítimas da doença, assim como dos 227.799 casos confirmados. Nesse cenário, o Ceará acumula também uma lista de lições tiradas desta crise sanitária, que atravessou pessoas, famílias, instituições, transformando rotinas e histórias de vida em todas as suas 184 cidades.
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Uma dessas histórias é a da enfermeira Manuela Martins, 32. Falar que ela está na linha de frente pode parecer clichê depois de seis meses, mas grande parte das sensações e experiências por ela vivenciadas não estava na rotina antes do 15 de março de 2020. Tudo novo e incerto: para ela, dentro do hospital com a missão de cuidar, e para os pacientes à espera de cura; para quem, do lado de fora, se enchia de receios e expectativas quanto a ficar ou não doente. Para fugir da solidão que experimentou ao se distanciar dos entes e amigos, durante os meses mais intensos imersa no combate à Covid-19 em Fortaleza, Manuela chegou ficar trabalhando 27 dias seguidos.
“Fiquei três meses sem ver meus pais e minha sobrinha pequena, e doeu muito. Teve o dia das mães, fiz aniversário em maio e passei sozinha em casa. Recebi bolo, cesta de café da manhã, e assim as pessoas ficaram presentes. Maio, além de ter sido o pico da pandemia, foi o pior período pra mim. Eu chorava muitas vezes quando chegava do plantão, então preferia ficar trabalhando direto. Não queria ficar refletindo sozinha quanto tempo levaria pra ver minha família de novo”, relembra a enfermeira. Além do impacto pessoal, Manuela reconhece que, quando a pandemia acabar, sairá uma profissional melhor. De lição, ela aprendeu o quanto precisa da família, e também da praia.
“Gente que eu nem conhecia e que me ajudou”
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No dia 13 de maio, Luís Alberto Rodrigues, 65 anos, foi pela primeira vez ao hospital com falta de ar. Medicado, melhorou e voltou para casa. Horas depois, respirar ficou ainda mais difícil. A segunda ida resultou em quase um mês de internação. Quando tentava puxar o ar, Luís percebia a gravidade da situação. Depois, as lembranças se tornaram vagas. Foram 15 dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e mais 17 na enfermaria.
Depois de ter sido desenganado pelos médicos e mesmo assim apresentar uma melhora, era hora da família se unir em busca de custear, por meio de uma vaquinha online, organizada pela filha, Tayna Alcântara, a compra de um medicamento de quase R$ 10 mil. A necessidade era imediata. O contador teve alta hospitalar no dia 15 de junho. Segundo ele, dali em diante, tem sido uma nova vida. Apesar da dificuldade, o aprendizado.
“Só quem sabe é quem passa. Por isso que eu bato na tecla que as pessoas precisam se proteger sempre. A lição que eu tirei desse momento foi sobre a importância de ter os amigos perto. Gente que eu nem conhecia e que me ajudou. Gente que eu não tinha contato, há anos, e quando soube que eu estava doente, procurou minha família para fazer alguma coisa”, relembra.
“Queira ou não, a gente fica pensando que podia ter evitado”
Já na vida da designer Meg Banhos as marcas profundas do luto sentido durante a perda de seu pai refizeram a trajetória de família na hora de cuidar de sua mãe, também contaminada, mas que sobreviveu à doença. Eliton Banhos, embora tenha procurado ajuda, não chegou a ficar internado. Na época do óbito, em abril, as orientações sobre quando buscar hospital ainda eram incipientes.
A família, conta Meg, seguindo o que vigorava à época, optou por não levar o idoso imediatamente a uma das unidades hospitalares. Hoje, Meg garante: o procedimento seria outro. Uma lição delicada e dolorosa desses tempos difíceis. “Quando meu pai faleceu, dois dias depois, minha mãe teve sintomas também. Pensei, é melhor levar ela do que morrer em casa. Queira ou não, a gente fica pensando que podia ter evitado”, avalia. A mãe de Meg foi instantaneamente conduzida ao hospital.
Neste momento em que dores, lições e até conquistas se misturam, o principal aprendizado, avalia a psicóloga clínica Priscila Diniz, “para quem esteve aberto, é entender que nem tudo irá sair do jeito que esperamos. É se libertar dessa necessidade de controle do outro e das circunstâncias. Isso faz com que a gente desenvolva nossa flexibilidade com as nossas próprias fraquezas, com as fraquezas do outro”. A psicóloga acrescenta que a partir desses processos, experimentados por algumas pessoas, a tendência é que as relações humanas evoluam.
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Foto: Infografia/G1

By Samanta Abdala

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