Os crimes de racismo são tipificados há mais de 30 anos pela Lei N° 7.716, conhecida como Lei Caó, sancionada pelo então presidente da República, José Sarney, além do Estatuto da Igualdade Racial (Lei n° 12.288/10). Embora esteja regulamentado como crime, os negros e negras persistem convivendo com racismo presente e cotidiano. Com Eliete de Jesus, 69, não é diferente.
Corredora profissional há 16 anos, dançarina, mãe, mulher, negra. Ela se descreve e lista mais de cinco boletins de ocorrência de racismo. Eliete procurou a Defensoria Pública do Estado, por meio do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (NDHAC), para obter justiça. “A dor moral é muito maior que a dor física e depois desse tempo todo não é agora que vou me calar. Estou aqui para seguir até o fim junto à Defensoria e pedir por justiça, porque são dores muito fortes. Sei que a justiça divina vai acontecer, mas a justiça do homem é necessária para que não haja impunidade e as pessoas vejam que: sim, há negros no nosso estado e temos os mesmos direitos”, disse.
Há cerca de cinco anos, após se tornar moradora de um prédio na capital cearense, Eliete passou a ser vítima dos crimes de injúria racial, agressão física, invasão de privacidade e residência, entre outros, por parte da vizinhança do prédio. “Em um dos boletins, o crime foi tipificado como injúria, mas, depois, com toda a análise do caso, foi trocado para injúria racial. São casos muito delicados, muito específicos e no caso, dona Eliete, foram vizinhos que cometeram e ainda cometem os crimes, seja através de ofensas ou, como aconteceram, ameaças físicas e invasão de residência e privacidade”, explica a defensora pública supervisora do NDHAC, Mariana Lobo. Segundo Mariana, a orientação é que para os crimes raciais, o NDHAC seja acionado com todos os detalhes do caso.
“Mais que toda a dor e incômodos de não poder residir em paz e sossego, é a dor de não ter liberdade, sabe? Não posso fazer minhas aulas de dança em paz, não posso correr por conta de um empurrão na escada, em que quebrei meu ombro e meu pé… Até meu filho é traumatizado com tudo isso. Nós só queremos justiça. E vamos até o fim pela justiça”, diz com voz embargada.
No Brasil, pessoas negras são mortas com mais frequência que pessoas não negras: os negros representam 75% das vítimas de homicídio, segundo o Atlas da Violência de 2019. São maioria, também, em meio à camada mais pobre da população: dos 10% de brasileiros mais pobres, 75% são negros, segundo o IBGE. Estes dados são alarmantes para tratar a questão como prioridade pela Defensoria Pública, que atua na retaguarda dos mais vulneráveis. “É preciso entender que ele forma uma teia de violências que afeta jovens, homens e mulheres, define e institui preconceitos, disparidades e discriminações que afeta a vida das negras e negros em seu direito primordial de existir”, disse a defensora.
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