Oito pontos do litoral cearense serão analisados um ano após surgimento de manchas de óleo


Monitoramento deve recolher amostras da água, da faixa de areia e de animais como caranguejos e moluscos para detecção dos resíduos do poluente. Água, areia e animais marinhos de praias atingidas pelo óleo serão coletados para análise.
Helene Santos/SVM
Amostras de oito pontos do litoral cearense serão recolhidas para dimensionamento do impacto dos resíduos do petróleo cru após um ano da chegada do óleo às praias do país. A ação terá apoio do Instituto de Ciências do Mar (Labomar). A coleta de água, areia e animais marinhos nas localidades, identificadas como as mais afetadas no estado, começa neste mês. Os resultados devem ser obtidos em cerca de dois meses.
Porções de manchas de óleo começaram a surgir na Paraíba no dia 30 de agosto, e o Ceará entrou para a lista de estados atingidos no dia 2 de setembro de 2019. No Estado, os primeiros pontos poluídos foram notificados em Fortaleza, Caucaia e Aquiraz, mas as manchas chegaram a 48 localidades, segundo registro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Serão analisados materiais dos seguintes locais: Sabiaguaba, estuário do Rio Jaguaribe, Jericoacoara, Icapuí, Cumbuco, Icaraí, Praia do Canto Verde e Canoa Quebrada.
A iniciativa conta com recursos do programa Ciências do Mar, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), articulação com a Secretaria do Meio Ambiente do Estado (Sema) e pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Lista de praias atingidas pelas manchas de óleo no litoral
Marcelo de Oliveira, professor do Labomar, na UFC, explica que o trabalho produzirá conhecimento sobre os resíduos da poluição que ainda estão presentes no ambiente marinho.
“A gente vai começar a fazer as coletas em setembro porque a gente não pôde ir para o campo no período de lockdown, o que prejudicou um pouco. Nós vamos fazer a análise na água, na areia da praia, nos organismos e, em um ou dois meses, nós vamos saber muito mais coisas do que a gente sabe hoje”, detalha.
Na época das manchas, foram recolhidos 39.775 kg de petróleo cru e agregados no estado, registra a Sema. Pelo menos oito Unidades de Conservação (UCs) também foram atingidas, como verificou um estudo científico da UFC em publicação internacional, no dia 28 de fevereiro deste ano. Essas substâncias também afetaram a saúde humana, e três pessoas foram intoxicadas pelo contato com óleo no ano passado, conforme a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
“Com certeza [a substância] está na água – mas a gente ainda não sabe quanto -, no sedimento, tanto na areia da praia quanto no fundo do mar, e nos organismos”, diz o pesquisador.
Já não é mais possível enxergar a poluição porque as manchas foram removidas e se fragmentando até alcançar um tamanho microscópico. “Uma hipótese, que a gente vai analisar, é de que no Ceará o ambiente é de muita energia, tem muito vento e muita onda, e isso mantém a dinâmica do ambiente”, comenta o professor sobre a permanência dos poluentes na natureza. Serão analisados caranguejos, tartarugas, peixes e moluscos dos lugares onde o mapeamento será feito.
Busca pelo responsável
Outra parceria dos cientistas cearenses com apoio do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, pode caracterizar quimicamente as manchas de e produzir novas evidências para identificar os culpados pelo derramamento. Essa análise segue relevante pelo princípio do “poluidor pagador”, como explica Marcelo de Oliveira, para punir e conseguir recursos para minimizar os impactos. “Esse óleo é uma mistura industrial, não é uma coisa natural que saiu do fundo do mar. A gente tem avançado nas investigações, estamos fazendo pesquisa com o MIT e está muito perto sair [o resultado]”.
A Marinha do Brasil informou, em nota, que “conduz, de forma ininterrupta, desde o aparecimento dos primeiros vestígios de óleo nas praias, uma investigação complexa, contando com a participação de diversas instituições, técnicas, científicas e especializadas, brasileiras e estrangeiras e tem trabalhado de forma cooperativa com o inquérito criminal instaurado pela Polícia Federal (PF)”. Um relatório foi entregue à PF com informações que podem contribuir para identificar a origem do crime ambiental, como explica a nota, e “os trabalhos permanecerão até que o responsável seja identificado”.
Prejuízos às tartarugas
No Ceará vivem cinco espécies de tartarugas marinhas, e os impactos de petróleo cru atingiram o grupo com maior intensidade: foram 150 encalhes com a verificação de contaminação por óleo em cerca de 30 deles. Esse balanço foi feito entre setembro de 2019 e agosto deste ano pelo Grupo de Tartarugas Marinhas (GTar), do Instituto Verdeluz. Os voluntários também monitoram os ninhos dos animais, como na Praia da Sabiaguaba, na Capital, atingida pelas manchas. O trabalho depende da contribuição de banhistas para os registros fora de Fortaleza.
“Com relação ao óleo não se sabe exatamente o que provoca no organismo dos animais silvestres porque não existem estudos relacionados à isso de forma específica, mas a gente sabe que é tóxico, bem provável que cause inflamação no trato do intestino, o petróleo cru é corrosivo”, explica Alice Frota, bióloga e voluntária do Verdeluz.
Um novo encalhe de animal morto, no último dia 20 agosto, verificou contaminação por óleo após necrópsia em uma tartaruga. “Tem encalhado bastante tartaruga adulta, em época de reprodução. Então existe a possibilidade de os adultos, que deveriam estar indo para suas áreas de reprodução, estarem sendo afetados pelo óleo e acabarem não indo desovar”, aponta Alice.
O monitoramento dos ninhos das tartarugas também foi prejudicado pela pandemia do novo coronavírus por causa das restrições de circulação desde março no Ceará. O período de maior acompanhamento dos ovos é registrado entre os meses de janeiro à junho, mas a atividade segue suspensa. Até março foram registrados 25 ninhos no Estado.
A Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (Seuma) informou, por nota, “que conforme monitoramento, este ano, não há registro de manchas de óleo nas praias do município”. O acompanhamento preventivo da orla e o desenvolvimento de ações de limpeza, quando necessário, é com apoio do Ibama, Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), Sema e Marinha do Brasil, explicou.
Impacto social
Os prejuízos para quem tira seu sustento do mar ainda são sentidos pelos trabalhadores cearenses. “Tem a questão da reparação das comunidades, porque quem sofreu mais foram os pescadores, marisqueiras, quem tem pequenas pousadas e que, agora, foram golpeadas de novo pelo coronavírus”, destaca Marcelo de Oliveira.
A pescadora Maria Eliene Pereira do Vale, de 50 anos, relata que perdeu sua autonomia desde a chegada do óleo na Foz do Rio Jaguaribe. “Afetou o nosso trabalho porque ficamos sem poder vender, a rejeição era muito grande, onde dizia que o pescado e os mariscos eram do Rio Jaguaribe, ninguém queria comprar nas feiras e nos mercados”.
“Hoje, um ano depois desse derramamento, continua a dificuldade de saber o que comemos nem o peixe e nem o marisco. Nunca houve análise da água ou do marisco para saber se estaria contaminado”, aponta.
Os pescadores e marisqueiras organizaram uma campanha intitulada Mar de Luta. “Esses rios e marés são sagradas. São nossos corpos e nossas vidas que estão dentro. Não é habitat só dos peixes porque é dali que a gente tira o nosso sustento”, conclui.

By Samanta Abdala

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