Jovens afirmam que ‘guru espiritual’ incentivava a não ter relações com pessoas de fora da seita em Fortaleza

Polícia informou que três pessoas já prestaram depoimento sobre as denúncias. Líder espiritual negou as acusações. ‘Batizado era no chuveiro da casa dele’, conta vítima de guru em comunidade de Fortaleza
Mais jovens que integravam a Comunidade Afago e procuraram a polícia nesta segunda-feira (20) revelaram que eram incentivados pelo líder espiritual a não ter relações com pessoas de fora da seita. As vítimas apontam o “guru espiritual” Pedro Ícaro de Medeiros, o Ikky, como responsável por uma série de abusos sexuais, físicos e psicológicos cometidos durante reuniões de uma seita espiritual.
Reportagem exibida no Fantástico desse domingo (19) revelou denúncias de abusos sexuais, físicos e psicológicos contra o criador da comunidade. O MPCE requisitou ao delegado-geral da Polícia Civil do Ceará instauração de inquérito policial para investigar o caso.
A Polícia Civil informou que, até esta segunda, três pessoas prestaram depoimento no 26º Distrito Policial e outras vítimas devem ser ouvidas nos próximos dias. A policia ressaltou a necessidade “daqueles que se sentirem vítimas comparecerem à delegacia para formalizar o procedimento, no intuito de subsidiar as investigações já em curso”.
O estudante de filosofia Pedro Ícaro não quis conceder entrevista pessoalmente ao Fantástico, mas, por telefone, disse que no começo deste ano registrou Boletim de Ocorrência alegando ser vítima de calúnia e difamação por parte de pessoas que deixaram a comunidade. O suspeito negou as acusações de estupro. Segundo ele, houve relações sexuais com alguns homens, mas elas eram consentidas.
Um dos jovens que participava da comunidade e preferiu não ser identificado afirmou que, há cerca de um ano, se encantou pelas ações sociais realizadas pela Afago voltadas para pessoas em situação de rua, vítimas de violência e crianças abandonadas. Mas, com o tempo, começou a desconfiar de alguns comportamentos do guru.
“Existia muito a ‘muralha do silêncio’, por medo de retaliação espiritual e da própria comunidade. Éramos incentivados a deixar de ter amigos e de nos relacionarmos amorosamente com pessoas que não fossem da comunidade. Se você quebrasse essa ‘muralha’, ia ser completamente excluído, e ele (‘Ikky’) dizia que Jesus ia castigar a gente”, revela.
O jovem ainda se diz vítima de um golpe, ao se matricular em um curso de terapia holística: “Cheguei a pagar um valor bem alto, mais de mil reais, que era só o primeiro semestre. Nós necessitávamos do segundo semestre, segundo ele, para nos tornarmos um terapeuta completo, o que não aconteceu. Ele simplesmente cancelou o curso, e a gente ficou sem qualquer perspectiva de certificado e ressarcimento”.
Uma garota, que também preferiu não se identificar, passou cerca de dois anos na Comunidade. “Houve diversas situações, com outros membros que me humilharam ou me segregaram de alguma forma. Outros que abusaram psicologicamente de mim. Eu era levada a acreditar que a culpa era minha, que não sabia perdoar, que eu precisava silenciar mais, guardar isso para mim”, relata.
Ela também gostava das ações sociais realizadas pela Comunidade e, mesmo sofrendo abusos psicológicos, tinha receio de abandonar a seita.
“Eu pensei em sair várias vezes. Mas como nós éramos incentivados a cortar relacionamentos de fora, eu senti que não teria amigos. Principalmente amigos que me avisaram que não seria bom eu estar nesse lugar. Como eu tava muito deslumbrada com as ações sociais e com o acolhimento de algumas pessoas, eu pensava que estava em um lugar bom”, explica.
Guru espiritual é denunciado por crimes sexuais em Fortaleza
Investigação
Outros integrantes da Comunidade Afago denunciaram ter sofrido assédio sexual e agressão física, comandados por ‘Ikky’. O Ministério Público do Ceará (MPCE) requisitou à Polícia Civil a abertura de um inquérito para investigação do caso.
Os depoimentos das vítimas começaram a ser coletados na última quinta-feira (16), segundo a advogada Thayná Silveira. “Ele (Ícaro) pegou esses jovens que estavam querendo pertencer a alguma coisa, que estavam em busca de cura de traumas sexuais, de traumas familiares e as manipulou”, afirma.
Entre os relatos feitos à reportagem do Fantástico, denúncias de agressão e estupro. “Não só pra mim, mas para uma roda de pessoas, ele dizia muitas vezes que o p… (órgão sexual) dele era mágico”, disse uma vítima do sexo masculino. Outro homem afirmou que Ikky o obrigou a ter relações sexuais. “Eu estava chorando, sangrando e eu esperava dele um pouco de humanidade. O que ele fez foi tirar minha blusa e colocar minha blusa na minha boca para que parasse de chorar e ele pudesse continuar”.
Já uma mulher, também de identidade preservada, comentou os impactos negativos em sua saúde mental após as vivências no lugar. “Eu entrei na Afago já num momento frágil psicologicamente. E fui ficando cada vez mais frágil e culminou numa crise de depressão muito intensa”.
As acusações também miram a prática de estelionato. Segundo a recepcionista Pamela Magalhães, a única a mostrar o rosto em entrevista ao Fantástico, “a cada semestre ele aumentava o valor desses cursos, tanto que quando eu entrei era R$50 e quando eu saí um determinado curso já era R$ 1.500”.

By Samanta Abdala

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